Dois meses antes de morte, menina de 2 anos foi para UPA após surra do padrasto

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Setenta e um dias antes de morrer, criança de 2 anos e 7 meses foi socorrida até a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) do Bairro Coronel Antonino com vômito duas horas e meia depois de levar surra do padrasto. É o que revela diálogo travado entre Christian Campoçano Leitheim, 25 anos, acusado de espancar a enteada até a morte, em janeiro deste ano, e a mãe da vítima, Stephanie de Jesus da Silva, 24. A conversa de WhatsApp está em relatório produzido pela Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente para embasar as acusações de assassinato contra Christian e Stephanie. Ainda na fase investigatória, a ré entregou celular e senha para a polícia, enquanto o padrasto se negou a fornecer o acesso ao aparelho dele, apreendido na data do flagrante. Policiais da DEPCA também não encontraram chips no telefone. De acordo com investigadores, trechos das trocas de mensagens da ré com o contato “Amor Amorzinho”, que um número antigo de Christian, porque a conversa havia sido arquivada, chamaram a atenção porque o suspeito admite para a mãe agressões cometidas contra a enteada. No dia 16 de novembro do ano passado, ele reclama das crianças. Como Stephanie trabalhava como vendedora, Christian era responsável por cuidar do filho mais velhos dele, à época com 4 anos, da vítima, de 2 anos, e da bebê, filha do casal. “Na hora que você chegar, eu saio. Dei uma surra na menina*, só para informar, já que ela não quis comer e mijou [sic] duas vezes na roupa”, afirma o padrasto por mensagem de texto enviada à mulher, às 13h20. No minuto seguinte, ele continua, aparentemente tentando justificar algum ferimento na cabeça da criança: “Bateu a mamadeira na boca da bebê* de propósito. Começou a chorar, falando que queria dormir, porque estava com sono. Aí quando mijou [sic] pela primeira vez, foi pro banheiro quietinha tomar banho e escondei o short no meio das roupas sujas. Aí quando eu cheguei, estava com um galo na testa e a boca sangrando”. Mais tarde, Stephanie encaminha duas fotos da filha, dizendo: “Cheguei aqui no posto. Tô fazendo a ficha dela”. Segundo apuração da polícia, a mãe se referia a UPA do Coronel Antonino, mesma unidade para onde a garotinha foi levada no dia 26 de janeiro deste ano, já morta. Às 16h32, a jovem volta a falar com o marido: “vomitou mais um pouco”. A mãe afirma que a criança tomou Bromoprida (remédio para evitar vômitos) e foi levada para tomar soro. “Tadinha”, responde o padrasto, comentando foto enviada por Stephanie que mostra a menina no colo dela, de olhos fechados. “Tá morrida”, ele também diz. Meses antes – Outra conversa levada pela investigação para o relatório aconteceu no dia 17 de agosto de 2022. Christian critica as crianças em mensagem de áudio. “Nossas crianças são sensacionais. Eu saí ali fora para passar uma vassourinha, daqui a pouco eu escuto… [imita som de choro]… Eu não sei o que aconteceu. Se o [filho*] derrubou ela, se ela caiu. Eu sei que eu coloquei cada um num canto e a [enteada*] tá com a cabeça rachada. Ou ela bateu no chão, ou na cadeira ou no rack do computador”. Stephanie duvida: “Mas a buchecha [sic], o olho, tá tudo vermelho”. O marido justifica: “Tá vermelho, porque ela é vermelha né fia? Mas tá normal. Eu já coloquei ela no chuveiro. Coloquei gelo na testa dela, mandei ela ficar segurança e desinchou. Mas, vai ficar marcado, certeza”. A mãe continua fazendo perguntas, dando a entender que não era a primeira vez que via situação assim. “Você chegou a morder mais ela? Ela tá com uma mordida enorme no braço”, diz e envia foto. O padrasto responde: “Mordi ela. Mas, esse foi quando a gente tava brincando. Sabe que não controlo a mordida. Ela é macia demais”. Exatamente um ano antes da constatação do óbito da menina, no dia 26 de janeiro de 2022, outro diálogo intrigou os investigadores. Na ocasião, a mãe questiona o marido sobre ferimentos encontrados no corpo da filha. “Mor, a cabeça da [vítima*] tá sagrando”. Por áudio, o padrasto admite ter dado “um cascudo” na menina. “Mas, foi no miolo. Se você olhar, vai ter uma marquinha. Isso aí, até a hora que eu saí, não tava não”. Quebra do sigilo telefônico – A pedido do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), que acusa Christian de matar a enteada e também de violentá-la sexualmente, os celulares dos réus serão periciados. Fotos, vídeos e áudios serão analisados, até os arquivos que porventura tenham sido apagados, mas recuperados. Enquanto isso, o processo que julga a morte da menina fica parado. Todas as testemunhas, de acusação e defesa, já foram ouvidas em juízo. Conforme informou o juiz Carlos Alberto Garcete, via assessoria de imprensa, agora, só depois que os laudos forem anexados à ação penal é que o titular da 1ª Vara do Tribunal do Júri vai marcar os interrogatórios dos réus. No dia 26 de maio, um dos defensores de Christian disse que também tem interesse na perícia. “Foi feito um requerimento de perícia nos celulares pelo MP, mas os laudos serão colocados à disposição de todas as partes. Vamos ter contato com isso e verificar o que importa para a solução do caso. Todos nós queremos a elucidação do caso. Desde o início, estou dizendo, os dois são apontados como as pessoas responsáveis pela morte, mas isso não é uma certeza. No momento, nós temos indícios de autoria. A certeza só vamos ter ao final do processo”, afirmou Renato Cavalcante Franco. O crime – Na tarde do dia 26 de janeiro, uma quinta-feira, a menina de 2 anos e 7 meses deu entrada na UPA do Coronel Antonino, no norte de Campo Grande, já sem vida. Inicialmente, a mãe, que foi até lá sozinha com a garota nos braços, sustentou versão de que ela havia passado mal, mas investigação médica apontou lesões pelo corpo, além de constatar que a morte havia ocorrido cerca de quatro horas antes de chegar ao local. O atestado de óbito apontou que a menininha morreu por sofrer trauma raquimedular na coluna cervical (nuca) e hemotórax bilateral (hemorragia e acúmulo de sangue entre os pulmões e a parede torácica). Exame necroscópico também mostrou que a criança sofria agressões há algum tempo e tinha ruptura cicatrizada do hímen – sinal de que sofreu violência sexual. O padrasto responde pelo homicídio com as três qualificadoras e pelo estupro, já a mãe da menina, pelo homicídio, como o Christian, mesmo que não tenha agredido a filha, mas porque, no entendimento do Ministério Público, ela se omitiu do dever de cuidar. Na delegacia, Christian optou por exercer o direito ao silêncio. Já Stephanie afirmou que o companheiro batia na filha como forma de correção, mas negou que ele tivesse espancado a enteada naquele dia. Ela alega que nunca denunciou por medo do marido, já que também era vítima de violência doméstica. Os dois ainda não foram interrogados em juízo. A morte jogou luz sob processo lento e longo que a menina protagonizou com idas frequentes à unidade de saúde – 30 vezes em 2 anos -, tentativa do pai em obter a guarda após suspeita de que a criança era vítima de agressão e provocou série de audiências públicas, protestos e mobilização para criação da Casa da Criança, bem como soluções ao falho sistema de proteção à criança e ao adolescente em todo o Brasil. *Os nomes são ditos pelos acusados, mas foram omitidos ou trocados por outras palavras para preservar a identidade das crianças, como prevê o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

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