O Brasil caminha para um abismo fiscal? Uma análise numérica

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Nas últimas semanas o “mercado” parece estar mais calmo com a equipe econômica montada pelo presidente Lula. Um cenário bastante diferente do que se desenhava em meados de novembro do ano passado quando Armínio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan escrevam uma carta aberta ao Presidente Lula alertando-o de que o Brasil se achava a beira de um precipício fiscal e que a PEC da transição, ao propor inicialmente a realização de um gasto extra teto de R$ 195 bilhões por dois anos iria fazer com que o mercado se recusasse a continuar a refinanciar a dívida pública, criando assim uma crise fiscal com consequências catastróficas sobre a taxa de câmbio nominal (maxidesvalorização da moeda nacional) e o retorno da hiperinflação. Essa análise foi contestada por mim e por outros colegas do grupo de pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento publicada em meu blog em 18 de novembro de 2022 e posteriormente repercutida pela grande imprensa. A PEC da transição foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 e imediatamente promulgada. Na versão aprovada o gasto extra teto foi reduzido para R$ 145 bilhões por um período menor, de apenas um ano; mas ficou definido que o Ministério da Fazenda deverá enviar até o dia 31 de agosto de 2023 um projeto com um novo arcabouço fiscal para o Brasil. Dessa forma, o teto de gastos foi declarado oficialmente morto, embora o sepultamento definitivo ainda não tenha ocorrido pois ainda estamos celebrando a missa de corpo presente pelo teto de gastos. Passado um mês da aprovação da PEC da transição nada do que os profetas do apocalipse previram se concretizou. A prévia da inflação em janeiro de 2023 medida pelo IPCA-15 ficou em 0,55% acumulando uma alta de 5,87% em 12 meses, valor ligeiramente inferior ao observado em dezembro do ano passado (5,9%). A taxa de câmbio continua flutuando entre R$5,20 e R$5,50, dependendo do humor do mercado financeiro no Brasil e no exterior, mas nada de sistematicamente diferente do observado no período anterior ao segundo turno das eleições presidenciais. Pelo menos por enquanto o Brasil parece estar livre de entrar num buraco negro. Não obstante a isso, alguns analistas continuam afirmando que o Brasil continua a passos largos para um abismo fiscal pois as projeções para a relação dívida pública/PIB apontam para um valor superior a 90% do PIB até o final desta década. Não é a primeira vez que esse tipo de previsão é feito. Em abril de 2020 a Instituição Fiscal Independente previu que a DBGG (Dívida bruta do governo) geral poderia chegar a 100,2% do PIB em 2030, no cenário intermediário ou 138,5% do PIB no cenário pessimista. A dívida bruta do governo geral fechou o ano de 2022 em 76,9% do PIB numa trajetória de queda a partir do pico observado em 2020. Trata-se de um valor ligeiramente maior do que o observado no final de 2019 quando a DBGG atingiu a marca de 75,8% do PIB apesar dos gastos extra teto de quase 700 bilhões de reais realizados em 2020 e das PECs dos precatórios e Kamikaze que permitiram a realização de mais algumas centenas de bilhões de reais fora do teto de gastos. Qualquer economista que entenda o mínimo de Teoria Keynesiana sabe que “o futuro é incerto e o passado é irrecuperável”, nas palavras da economista Britânica Joan Robinson. Prever o comportamento futuro das variáveis econômicas é uma tarefa muito difícil, quando não impossível, principalmente para períodos de tempo muito longos. Isso ocorre devido ao “princípio da não-ergodicidade” dos processos econômicos segundo o qual é impossível a convergência entre a média amostral e a média da população de forma que a observação do comportamento passado de qualquer série de tempo não nos permite inferir nada sobre o comportamento dessa série no futuro. Nas palavras de Keynes “nós simplesmente não sabemos”. Nem sempre os economistas tem a humildade para reconhecer, ainda mais em debates públicos, as limitações de suas projeções sobre o comportamento futuro da economia. Tudo o que o conhecimento econômico nos permite fazer é construir projeções baseadas em algumas hipóteses sobre o comportamento de certas variáveis chave, hipóteses essas que são apenas conjecturas que o economista faz com base na sua experiência e na sua “visão de mundo”. Dessa forma, as previsões econômicas são necessariamente viesadas no sentido de que se baseiam nas “crenças” dos economistas a respeito do funcionamento do sistema econômico. A partir do que foi dito acima a honestidade científica no campo da economia exige que o economista explicite suas hipóteses e o “modelo” (entendido como um sistema de equações que descrevem as relações supostas entre as variáveis econômicas) a partir do qual irá basear sua análise. (*) José Luis Oreiro é professor associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília.

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