Gêmeos, "Puro Ódio" e "Taurus" nunca deixaram de ser Ian e Yago para a mãe Joserlinde Ribeiro de Oliveira Dias. Ian Guilherme era chamado de "Puro Ódio" pelo estilo de vida no crime, até ser assassinado em fevereiro de 2020, em uma esquina do Parque do Sol, em Campo Grande. Dois meses antes, o irmão gêmeo havia sido preso por tráfico de drogas. Ambos apontados como lideranças cruéis do PCC, Yago sobreviveu porque estava na cadeia, mas era outro "temido" na área, chamado de Taurus, como a fabricante conhecida de armas. As duas tragédias transformaram a mãe que engravidou aos 16 anos e por muito tempo foi julgada pelo destino de Ian e Yago. Mas ela garante que se recuperou e hoje conta a história com a esperança de que a vida dos dois filhos ensine outras mães algo sobre perdão e fé em grandes transformações. "Todo dia que uma mãe perde a esperança em um filho, ela morre um pouco", justifica sobre a necessidade de falar de seus dramas, porque "ninguém vira bandido sem que tenha passado por coisas difíceis". Para Josi, no rosto dos gêmeos ela nunca viu "Puro Ódio" ou a violência de um arma "Taurus ". Até a execução de um deles. "De noite, me ligaram e disseram que meu filho estava morto, cheio de tiros na cabeça. Depois fiquei sabendo do passado de crimes feios, que nunca imaginei. Mas também não julguei ele, porque sei da infância difícil que teve". A entrevista é como um pedido de perdão à memória de Ian e de uma segunda chance para o filho que continua preso. "Me perdoei há muito tempo, mas sei que os primeiros 7 anos deles não foram fáceis. Eu tive depressão pós-parto. Dez dias depois quebrei a casa toda da minha mãe. Vieram os surtos e fiquei muito tempo internada, amarrada, ou tomando remédios fortíssimos. Vivia como vegetal. Eles viram coisas que não entendiam. Isso prejudica a cabeça de uma criança", argumenta. O pai se afastou, as crianças ficaram com a avó e a tia entre as idas e vindas de sanidade da mãe. Tudo mudou na família. Apesar de pensão paga pelo pai, os irmãos de Josi, ainda adolescentes, tiveram de trabalhar para ajudar a avó a criar as crianças. "As pessoas julgam, mas nunca param para ver o outro lado. Quem tem a vida complicada, como foi a nossa, sofre demais". Quando tudo passou, depois de muitos anos de instabilidade mental, veio outro tempo, com emprego novo e tentativa de recompensar os filhos com presentes. "Eu não entendia que estava errando. Eles pediam tênis caro, eu nem tinha dinheiro, mas ia lá e comprava, ao invés de dizer que a nossa vida era simples e que não dava", relembra. Os meninos cresciam "dando trabalho". "Se iludiram muito, o ego tomou conta deles junto com a droga", diz a mãe. Então, foram viver em Goiânia com parentes, mas seguiram os problemas. Chegaram a morar até no Maranhão com outro familiar que se prontificou a ajudar os gêmeos. Mas eles retornaram a Três Lagoas novamente, onde a mãe morava. "Aí piorou a relação com os entorpecentes. Encontrei psicólogo, psiquiatra, mas nada adiantava. Até que eles mudaram de Três Lagoas para Campo Grande, para morar com a avó", relata Josi. Cristã, a mãe casou novamente há 15 anos, mas não critica o ex-marido pelo que aconteceu com os gêmeos. Pelo contrário, diz que também precisa fazer justiça com o pai dos garotos "porque ele tentou de tudo. Uma semana antes do Ian morrer, eu já sentia que meu filho poderia melhorar. O pai tinha combinado de levar ele para dar entrada na CNH e o Ian chegou todo feliz mostrando certificado que tinha concluído o Ensino Médio e que ia fazer faculdade. Mas não deu tempo". Na cabeça da mãe, que procurou apoio ainda jovem na religião, os "planos eram totalmente diferentes. Eu achava que Ian ia tocar violão na igreja e outro pregar a palavra de Deus. Mas a droga foi a escravidão deles". O processo de recuperação foi demorado, afirma. A falta dói, mas a fé fortalece. "Não me isento das minhas responsabilidades, das minhas falhas. Mas, naquele momento, era o que eu tinha condição de fazer, era o que eu sabia fazer. Poderia ter feito tudo diferente? Sim. Mas eu nunca imaginei que eu estivesse fazendo algum mal. Um dia eu pedi perdão para o Yago, com muito choro, culpei outras pessoas. Mas depois vi que o perdão tinha de ser geral, inclusive, eu tinha de me perdoar. E isso foi libertador". Josi fez faculdade de Pedagogia e atualmente trabalha em um hospital. Mudou muito em relação "à garota mimada da infância", como ela mesma define. Por isso, a fé só cresce em Yago e no filho caçula, o terceiro da família. "Hoje eu também vejo que o brilho no olho do Yago voltou, ele é outro. Ele se transformou dentro do presídio e também pelo que aconteceu com o irmão dele", afirma Josi. Ontem, quarta-feira, foi dia da mãe visitar Yago no presídio da Gameleira, em Campo Grande. Viajou de Três Lagoas até a Capital só por um motivo. "Meu filho está preso, mas pelo menos está vivo e ainda tenho a oportunidade de abraçá-lo". Acompanhe o Lado B no Instagram @ladobcgoficial , Facebook e Twitter . Tem pauta para sugerir? Mande nas redes sociais ou no Direto das Ruas através do WhatsApp (67) 99669-9563 (chame aqui) .