No filme Fahrenheit 451, somos apresentados a uma sociedade distópica em que é proibida a leitura de livros. Alguns poucos rebeldes, entretanto, trataram de memorizar os clássicos da literatura de sua cultura. Cada membro segue recitando a obra que sabe de cor, passando-a, inclusive, a outros integrantes de forma oral. Assim, no filme, tais comunidades são capazes de preservar vivo um conhecimento fundamental, guardando-o na memória para um possível futuro em que livros poderiam ser permitidos novamente. Livros não são proibidos no Brasil e, de fato, excluindo-se alguns episódios infelizes, a censura – como no filme mencionado – não é uma preocupação para nós. Mesmo assim, em um cenário de aparente liberdade, vemos o conhecimento científico minguar na nossa sociedade. Acontecimentos recentes têm indicado, no país, a falta de conhecimento não somente dos conceitos científicos, mas sobre como a ciência funciona. Mais do que isso, o Brasil tem passado por uma reforma estrutural do Ensino Médio conforme a qual as orientações apresentadas pela Base Nacional Comum Curricular dão flexibilidade a que diferentes regiões adaptem sua grade curricular a fim de atender à política pública educacional. No caso da Física, que é a área em que atuo, professores parceiros de nossas pesquisas relatam, em alguns casos, uma redução de até 50% da carga horária no Ensino Médio de sua escola (ainda em propostas provisórias). Fica então a pergunta: se na escola não ensinarmos Física, Química, Biologia, quem saberá ciências e sobre ciências no Brasil? Deve-se ressaltar que as ciências se valem de diferentes formas de representação simbólica para interpretar a realidade e falar sobre ela: equações, diagramas, gráficos, imagens e a própria linguagem verbal. Para entendermos uma discussão científica, precisamos dominar essas formas de representação, que não são usuais nas situações do dia a dia. Dificilmente alguém aprenderia a interpretar esses símbolos espontaneamente em uma rotina corriqueira. É no espaço de educação formal que aprendemos esses instrumentos simbólicos e, só assim, podemos aprender ciências e sobre ciências. Se nossas escolas não ensinam mais (ou ensinam muito pouco) ciências, estamos diminuindo a possibilidade de as pessoas dominarem uma forma muito potente de falar sobre o mundo. Isso diminui, portanto, as possibilidades de ação e de transformação da realidade. O Instituto de Física da UFRGS (IF-UFRGS) tem uma longa trajetória de contribuições para o ensino de Física no Brasil, seja por meio de seus cursos de licenciatura em Física, que formam docentes a partir de uma concepção de formação de professores contemporânea e em diálogo com as discussões e pesquisas atuais, seja pelas pesquisas e projetos de extensão desenvolvidos no IF e no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física (PPGEnFis). Mais especificamente, as pesquisas desenvolvidas no PPGEnFis versam sobre diferentes tópicos relacionados ao Ensino de Física e Educação em Ciências. O reconhecimento dos trabalhos desenvolvidos no PPGEnFis se traduz em sua avaliação 6 pela CAPES (em uma escala até 7), indicando que ele compõe os chamados programas de excelência (apenas com nota 6 e 7). Mas a pergunta ainda persiste: se os currículos oficiais oferecem cada vez menos Física, onde a Física será ensinada? E, nesse sentido, em que contexto nossos alunos aprenderão as formas tradicionais de representação e interpretação simbólica que a Física permite, as quais podem ser usadas em diferentes situações socialmente relevantes? De uma forma contemporânea, tal qual no filme Fahrenheit 451, diversas ações têm sido desenvolvidas no Instituto de Física a fim de manter vivos os discursos das ciências. Primeiramente, no IF, temos o Centro de Referência em Ensino de Física (CREF), coordenado pelos professores Leonardo Heidemann e Eliane Veit, em que são disponibilizados online diversos materiais de apoio, bem como uma série de textos denominada Pergunte ao CREF, em que perguntas enviadas pelos leitores são respondidas por professores do IF. Fernando Lang da Silveira, professor que lidera o projeto, foi agraciado com o Prêmio de Divulgação Científica Ernesto Hamburger 2022 da Sociedade Brasileira de Física por esse trabalho, que tem tido repercussão em todo país. Além disso, muitos desses textos são transformados em posts e publicados na página do Instagram @if.ufrgs, que tem divulgado diferentes projetos, seminários, trabalhos, além de apresentado posts com discussões sobre Física e Ensino de Física. Existem, ainda, vários outros projetos de extensão e de pesquisa, levando discussões científicas para as mais diversas esferas da sociedade. Ou seja, enquanto temos contribuído para repensar os espaços formais de ensino, diferentes ações têm também contribuído para manter vivo o conhecimento científico fora da sala de aula. Na vida real, não precisamos recitar livros científicos de forma oral; mas em cada resposta do Pergunte ao CREF, em cada postagem do Instagram, em cada projeto de extensão, o conhecimento científico e sobre a ciência se mantém preservado e é passado adiante. Faz parte de nossa missão institucional produzir e sustentar o conhecimento. Esse movimento só ganha sentido e força conforme a sociedade também se sensibiliza e participa da Universidade. Fica, então, o convite para todos(as) aqueles(as) que quiserem se juntar a nós nessa importante tarefa de manutenção da ciência no país para que conheçam os projetos mencionados e acompanhem nossas atividades. (*) Nathan Willig Lima é docente do Instituto de Física da UFRGS e atual coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física