Jéssica Luana Albuquerque Camargo esperou mais de uma década para conseguir ter acesso sem restrições à cannabis medicinal. Diagnosticada com síndrome de Bell e depressão aos 19 anos, ela conseguiu liberação para importar e cultivar as sementes da planta somente nesta semana, aos 33 anos. A decisão partiu do Tribunal Regional Federal da 3º Região que na segunda-feira (24) concedeu a liminar. A liberação pôs fim há três anos de espera que exigiram mais de uma vez que Jéssica comprovasse o diagnóstico e a necessidade do medicamento. Os sintomas da paralisia, conforme ela, apareceram repentinamente. Durante o expediente no serviço, ela se sentiu mal e em seguida percebeu que não conseguia movimentar parte do rosto. “Quando aconteceu foi da noite pro dia. Estava trabalhando e no meio da tarde senti que meu rosto não estava muito bom. Fui olhar no espelho e metade estava paralisado, não conseguia piscar, não tinha o controle da boca. O músculo simplesmente relaxou e não tinha movimentação nenhuma”, recorda. A paralisia influenciou na prática de atividades, alterou a dieta da jovem que não conseguia mastigar alimentos sólidos e impactou a autoestima. A doença acarretou em outra e, aos 19 anos, Jéssica também foi diagnosticada com depressão. Com o diagnóstico vieram os primeiros tratamentos e a busca por um medicamento que aplacasse os sintomas da paralisia de Bell. “Fiz o tratamento convencional na época, busquei médicos que tinham especialidade na área, fiz fisioterapia, tomei alopáticos por dois anos e nada resolveu como a cannabis resolveu”, afirma. Antes de ter contato e usar o óleo de canabidiol, Jéssica amenizava os efeitos da patologia fumando a planta. “Foi uma fase bem complicada e sozinha em casa encontrei o alívio da maconha. Desde então comecei a usar a cannabis fumada para poder me sentir bem, era a única coisa que me deixava bem naquele momento”, explica. Na época, ela não conhecia as associações que trabalhavam com a cannabis para fins medicinais. O contato com as instituições veio em 2018 junto com o interesse em pesquisar como funcionava o tratamento com o óleo. Em São Paulo, a maconha para uso medicinal era discutida por essas associações que realizavam cursos sobre o tema. Numa das reuniões, Jéssica conheceu outras pessoas que viam na planta a resposta de tratamento para outras doenças. “Quando estive num auditório lotado com mais de 100 mães de crianças especiais, aquilo mexeu muito comigo. Eu era mãe solo e só a gente que é mãe sabe a dor de uma de ter que cuidar do filho sozinha. Isso me fez lutar por essa medicina não só por mim, mas por todas as pessoas que precisavam”, comenta. Após o contato com esses grupos, Jéssica reuniu em Campo Grande pessoas interessadas em estudar e pesquisar o assunto que era pouco discutido em Mato Grosso do Sul. “Nos reunimos para poder conhecer o tratamento e buscar novas vias, porque em 2018 o frasco de um óleo usado que não faz o mesmo efeito custava R$ 2.500”, diz. Sem condições financeiras para custear o remédio na Capital, ela viajou para Ponta Porã onde conseguiu encontrar o canabidiol. A viagem resultou no início de outra trajetória ‘intensa’ na vida da campo-grandense. “Eu fui presa com 200ml de óleo, um pouco de flor embebedada no álcool e o extrato pronto”, relata. A prisão não fez Jéssica desistir de reivindicar pelo medicamento. Depois de conseguir o direito de responder o processo em liberdade, ela encontrou mais pessoas que faziam o tratamento com a cannabis. O encontro resultou na criação da primeira associação sul-mato-grossense de pesquisa e apoio à cannabis medicinal, a Divina Flor. Caminho árduo – O processo que resultou na liberação da liminar levou três anos. Para conseguir cultivar e produzir o próprio remédio, Jéssica precisou fazer cursos obrigatórios, levar à Justiça laudos médicos, receitas e outros documentos que corroborassem para o pedido. A diretora executiva da Divina Flor fala sobre os empecilhos que antecederam a liberação. “Aqui em Mato Grosso do Sul é um tabu muito grande. Nosso processo de primeira foi negado e o juiz queria extinguir. O advogado insistiu, o processo subiu para o TRF3 que está tendo uma compreensão maior sobre os tratamentos. Lá conseguimos um diálogo aberto”, declara. Por não ser a primeira a conseguir a autorização em Campo Grande, ela acredita que a liberação abre espaço para discussão do uso da maconha para fins medicinais. “Essa autorização representa muito para nós, para nossa luta como Divina Flor. Hoje eu tenho autorização para plantar, mas a Divina Flor também entrou com autorização para cultivo coletivo. É um espaço que a gente vem conquistando, mostrando pras pessoas que maconha não é droga, é remédio”, pontua. Acompanhe o Lado B no Instagram @ladobcgoficial , Facebook e Twitter. Tem pauta para sugerir? Mande nas redes sociais ou no Direto das Ruas através do WhatsApp (67) 99669-9563 (chame aqui).