Na fila para buscar os pedaços de bolo de Santo Antônio, tradição que se repete há décadas em Campo Grande, a artesã Sulema Ortega, 56 anos, já se decidiu. Se for agraciada com uma das alianças, vai entregar para uma amiga. Viúva há três anos, ela torce para que todos também vivam um grande amor. “Vim com uma amiga e com um pedido para Santo Antônio, que ela se case. Se eu pegar a aliança, vai para a minha amiga. Já fui casada por 16 anos e ele foi o grande amor da minha vida, de toda a vida. Mas se levar a TV vou ficar feliz da vida com Santo Antônio”, diz. Ao lado da amiga de 37 anos, que não quis dar entrevista, Sulema conta que mora no Bairro Amambaí, perto da igreja, e foi caminhando para buscar o bolo. “Levantei às 4h da manhã e vim caminhando. Sempre tive a tradição de pegar o bolo com as minhas irmãs”. Primeira da fila do bolo de Santo Antônio, Maria Inês Ayala, 88 anos, diz que pede paz, saúde, alegria e muito trabalho, mas nada de marido. “Já fui casada, mas quero continuar solteira. Se pegar a aliança vou guardar. Nessa idade, não te que casar mais não”. Devota, ela saiu às 5h desta terça-feira de casa, na Vila Carvalho, e foi caminhando até à igreja no Centro de Campo Grande. Nesta hora, a cidade registrava 10ºC, mas com sensação de frio de 6ºC. “Venho colaborar com a igreja e comer o bolo, que é bom”. Maria do Socorro dos Santos Pereira, 75 anos, também foi cedo à Catedral Nossa Senhora da Abadia e Santo Antônio de Pádua. Ela conta que foi batizada lá em 25 de fevereiro de 1948 e que a mãe sempre foi muito devota, inclusive batizou um dos filhos de Antônio. “Estou comprando o bolo por devoção e fé. O bolo não é só para quem quer casar. Tentei ser freira em duas congregações, mas não consegui por conta de problemas de saúde”. O contador Marcos Aurélio Gil, 47 anos, foi de carro e retirou o bolo no sistema drive thru. Ele é devoto e agradece ao santo pela união da família. “Quando tinha oito anos, toda a minha família estava distante da igreja. Coloquei na minha cabeça que queria ser coroinha e comecei a ir para a igreja. Toda a minha família se reaproximou. Todo ano, venho buscar o bolo de Santo Antônio, ele não é só para casamento”. Na edição 2023, foram vendidos 13.101 potes de bolo. Cada um custa R$ 10. Foram usados 150 quilos de farinha, 150 quilos de açúcar e quase 3 mil ovos. O bolo foi recheado com mil alianças. Diz a tradição, que quem achar a aliança se casa. Neste ano também há um novo prêmio: uma televisão de 50 polegadas. “Se a gente fizesse uma enquete, acho que 80% iria responder que vem por gratidão ao santo, mas, na outra parte, eu sou testemunha de muitos casamentos que aconteceram. Já celebrei muitos casamentos de pessoas com fé. Ele ajuda as pessoas naquilo que elas têm mais desejo, nas coisas mais difíceis. A gratidão ao Santo Antônio é muito mais importante do que qualquer aliança que essa pessoa venha a achar”, afirma o padre Wagner de Souza. O padre também analisa o distanciamento dos mais jovens do casamento. "Porque às vezes o jovem olha o relacionamento dos pais e pensa ‘meu Deus, meus pais sofrem, meus pais têm dificuldades’. Então, ele tenta fugir da responsabilidade do casamento, eu não iria por essa linha, é mais fácil obedecer a voz de Deus do que só o nosso instinto. Casamento traz muita alegria. Mas família perfeita só de Jesus, Maria e José. Agora, quando Deus fez parte da nossa escolha a gente consegue passar pelas dificuldades e ser muito feliz”. O santo é padroeiro da cidade, numa tradição que remonta ao fundador de Campo Grande. “A história da cidade está intimamente ligada ao santo. Se você olhar a família original de Antônio Pereira, quando passavam aqui em baixo, próximo ao horto, fizeram o voto de fazer a capela do Santo Antônio pelo pedido de proteção da viagem de Minas até aqui, e até hoje as pessoas são agradecidas por isso”, lembra o sacerdote. Serviço – Todas as 13.101 fichas de bolo foram vendidas. Desta forma, só quem já havia comprado vai retirar os potes na catedral, localizada na Rua Lydia Bais, 29.