O silêncio quebrado somente pelo som dos aparelhos ligados sem interrupção. Na caixinha de acrílico transparente está o presente que saiu do ventre direto à máquina, desfecho totalmente diferente para quem tanto sonhou com o grande encontro de mãe e filho. Mas isso agora não passa de mero detalhe que até passa batido em meio às rezas feitas no frio da UTI (Unidade de Terapia Intensiva) Neonatal para que os dias de hospital findem e o destino seja o aconchego do quartinho já ornamentado esperando seu dono. A cena descrita serve de palco para pelo menos 20 famílias que têm neste momento seus bebês prematuros internados na Santa Casa de Campo Grande. De janeiro a novembro foram 619 nascidos antes das 37 semanas, ou seja, considerados paridos antes do tempo. Em outubro foram 59 e de 1° a 16 de novembro um total de 30 bebês. Dados da Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) apontam que em Campo Grande, de janeiro a junho deste ano, 838 bebês nasceram prematuros, número equivalente a 12,88% dos 6.504 nascidos na Capital neste período. Nos últimos quatro anos foram 5.919, levando em consideração que o ano ainda não chegou ao fim. Estendendo a pesquisa a Mato Grosso do Sul a quantia salta para 3.356 de janeiro a outubro deste ano, segundo o Sinasc (Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos). No Brasil a estimativa é de que 340 mil bebês nasçam prematuramente por ano, total que equivale a um nascimento a cada 10 minutos. Prematuridade não é sinônimo de internação, lembra a médica pediatra da UTI Neonatal da Santa Casa, Carolina Muzzi Youssef, mas quando a intervenção se faz necessária, pode trazer consequências emocionais à família. “Porque são meses de luta pela sobrevivência de um pequeno guerreiro. São bebês com altos e baixos, que podem surgir complicações no meio do caminho, portanto seguimos com dias de luta e dias de glória”, explica. Para acolher àqueles que precisam ser fortes diante da luta pela vida de quem acabou de chegar ao mundo, o hospital oferece apoio de equipe multidisciplinar humanizada. “Contamos com a equipe de psicologia e o serviço social que nos ajudam muito com esse acolhimento. Um trabalho de grande importância”. Vestida com a cor símbolo do Novembro Roxo, Érika Santana, 37 anos, recebeu a equipe do Campo Grande News para contar sua história que, muito provavelmente, grande parte da população sul-mato-grossense já ouviu falar. Em 12 de junho de 2021 seu nome saiu em todos os noticiários. Ela foi uma das inúmeras pessoas internadas por ter contraído a Covid-19, com necessidade de intubação. Só que embora fosse apenas um leito, três pessoas estavam lá: Erika e seus filhos gêmeos, Rafael e Gabriel, ainda dentro de seu ventre com pouco mais de seis meses de gestação. Foram trinta dias de coma induzido e neste meio tempo Rafael entrou com sofrimento fetal. Foi preciso então realizar uma cesariana. Érika seguiu em coma, seu estado era considerado extremamente delicado com pulmão 85% comprometido e os meninos foram para UTI para todos os cuidados que a situação exigia, já que tinham apenas 29 semanas e dois dias. Quem segurou a barra foi o pai, Richard Pulquério, que só soube do nascimento dos filhos após a cirurgia de emergência. “Me ligaram para contar e eu não acreditei”, relembra. Agora eram os três lutando pela vida. Enquanto a mãe seguia em sono profundo, os bebês foram amamentados pela primeira vez por Richard e assim foram os dias seguintes. “Mesmo eles estando ali, eles davam sinal de que a minha presença era importante. Depois que eu comecei a ir, eles se desenvolveram bastante, eles sentiam minha presença, interagiam comigo”, contou. Quando enfim Érika foi extubada e recuperou a consciência, os bebês tinham quase 20 dias de vida. O tão esperado encontro ocorreu, mas ela não pôde pegá-los no colo, pois estava com fungo no pulmão e não podia se esforçar, mesmo que fosse o mínimo. O braço esquerdo estava sem movimento por ter ficado embaixo de seu corpo durante o prono (bruços), posição muito usada em pacientes nestas condições para melhorar a respiração. “Enquanto eu me recuperava eu não estava ligada a eles. Tentava falar, mas não conseguia por causa da traqueostomia. Eu me esforçava para lembrar das coisas, para saber aonde eu estava, mas não conseguia muito sentir preocupação com eles. No dia que eu os vi, naquele momento foi meu parto, porque aí nos conectamos”, conta ela que, junto aos filhos, (re)nasceu. Um mês depois do início da internação eles receberam alta, mãe e filhos foram para casa e iniciaram nova vida. “Eu tive que reaprender a fazer tudo, né? Então eu sempre brincava com eles dizendo que eu sabia como era ruim ficar com fralda suja ou ter que aprender a comer”, diz fazendo referência à própria reabilitação que a fez começar tudo do zero, como se a recém-nascida fosse ela. “Aprender a andar, comer, tudo”. Hoje Rafael e Gabriel têm um ano e quatro meses, são crianças fortes e saudáveis. Inseparáveis, começam a dar os primeiros passinhos, tudo assistido por Érika que, antes da intubação, pensou que jamais presenciaria o crescimento dos filhos. “Me lembro da gente (ela e o marido) se despedindo. Eu tirei meus brincos, dei para ele e disse: cuida do meu filho se eu não voltar e muitos não voltaram, eu sei, foi tudo um milagre”, finaliza. Pesquisa do Hospital das Clínicas divulgada em janeiro deste ano apontou que 63% dos bebês de mães que pegaram Covid-19 no fim da gestação nasceram prematuros. Carolina analisa que a alta se deve ao fato de tirar o bebê antes do tempo para tentar salvar a vida dele. “Também porque as gestantes que se contaminam com o vírus no terceiro trimestre gravidez entraram em trabalho de parto prematuro. Além das gestantes nos períodos de pandemia não terem realizado o pré-natal corretamente, o que acabou aumentando o número de partos prematuros”. Prevenção – Nem sempre dá para evitar a prematuridade, mas é possível tomar medidas que diminuem as chances de ocorre, como o primordial: realizar o pré-natal de forma consistente. “Não faltar as consultas médicas, seguir todas as orientações dos seus obstetras, tomar todas as medicações orientadas durante a gravidez, não deixar de fazer exames, não deixar para o outro dia quando apresentar quaisquer sinais e sintomas diferentes, não fazer uso de drogas lícitas e ilícitas e evitar uso de bebidas alcoólicas”, explica Carolina. Em Mato Grosso do Sul as chances de haver parto prematuro são quatro vezes maiores em caso da não realização do pré-natal, segundo dados do Ministério da Saúde usados para levantamento feito pelo Campo Grande News em abril deste ano. Em análise, ficou evidenciado que dos nascidos 1,1 milhão nascidos de 1994 a 2020, 8% foram prematuros e deste percentual, 28% das mães não tiveram acompanhamento gestacional. Cuidados – A especialista em UTI Neonatal pontua também que os pais devem ter cuidados com medidas de prevenir infecções nos bebês, pois são recém-nascidos prematuros, frágeis e tem a imunidade ainda em formação. “Tomar cuidado ao lavar as mãos, não manipular telefones ao acompanhar seus bebês, não usar adornos, usar os capotes, evitar vir da rua para visitar seus bebês, não visitar se tiver com sintomas respiratórios”. Além disso, Carolina elucida que os cuidados para com os recém-nascidos tanto prematuros quanto os não prematuros são os mesmos, precisam de todo amor e carinho em casa. “Incentivar o aleitamento materno, essa é maneira de passar anticorpos para seus bebês e evitar infeções. Além dos inúmeros benéficos que o aleitamento trás para binômio mãe-bebê. Cuidados ao dormir, após cada mamada, cuidados com o banho, cuidados com a limpeza do umbigo e cuidados no transporte. Realizar consultas médicas pediátricas, seguir corretamente a puericultura, acompanhar com as especialidades quando for necessário, manter completo o calendário vacinal”. Fica tudo bem – Mãe de primeira viagem, Marça Maria Maciel Fiori ainda se lembra da surpresa ao saber que de dois integrantes a família passaria para cinco. Após tratamento de fertilização, a pecuarista pensou que o maior desafio seria ser mãe aos 51 anos, mas o futuro ainda lhe guardava o maior deles. Muito desejadas e aguardadas, Carmen, Suelena e Valentina nasceram com apenas 26 semanas em 18 de julho de 2016. Marça conta que um das bolsas estourou, por isso foi internada para tentar protelar a gravidez. Os planos eram que as meninas resistissem na barriga por pelo menos 32 semanas. “Mas uma hora depois que fui internada comecei a sentir contração. Não teve outro jeito. Foi preciso fazer cesárea de emergência e elas foram direto para a UTI". Nenhuma das três pesava mais que 900 gramas ou media além de pouco mais de 30 centímetros, consideradas prematuras extremas, as meninas passaram longos dias na internação. Carmen e Suelena ficam mais de três meses e Valentina, cinco. Neste meio tempo, quando a primeira recebeu alta, o papai, também pecuarista Humberto César Fiori Filho, sofreu infarto. “Ele é muito emotivo, chorava, dizia que não queria perder as meninas. Um dia foi para o carro, começou a suar, passar mal. O médico viu e acabou o mandando direto para o Proncor”, lembra Marça que precisou, então, se dividir para cuidar de Carmen que já estava em casa, do marido e de Suelena e Valentina que seguiam na Maternidade Candido Mariano. No final, ficou tudo bem com todos. Hoje as meninas estão com seis anos e seguem com acompanhamento neurológico por precaução, pois não têm sequelas. “São lindas, espertas e saudáveis”, diz a mãe orgulhosa. Na parede da memória as lembranças que permanecem são das pequenas vitórias que se somaram numa história de superação. Às mães, pais e familiares que leem estas palavras dentro de um quarto de hospital, Marça tem um recado. “O mais importante é ter pensamento positivo, confiar em Deus, tentar não entrar em desespero. Eu sei que ver um filho sendo furado, com todo aquele barulho de UTI que fica na nossa cabeça, não é fácil, mas sempre pensei que o tempo que elas ficaram lá era para serem cuidadas, precisavam disso. Tem que centralizar nas coisas boas, acreditar. Os médicos, as enfermeiras, as técnicas, todos ali fazem o possível e o impossível. São heróis. Acreditem”. Novembro roxo – Nesta quinta-feira (17) comemora-se o Dia Mundial da Prematuridade, data que faz parte do calendário do Novembro Roxo, mês dedicado à conscientização deste tema tão presente, mas não tão falado. São mais de 100 países que se uniram em 2008 para desmistificar o assunto com informação.